Ser no mundo um “outro Cristo”

“O santo Batismo é o fundamento de toda a vida cristã, o pórtico da vida no Espírito («vitae spiritualis ianua – porta da vida espiritual») e a porta que dá acesso aos outros sacramentos. Pelo Batismo somos libertos do pecado e regenerados como filhos de Deus: tornamo-nos membros de Cristo e somos incorporados na Igreja e tornados participantes na sua missão.” (CIC § 1213)
Na Igreja Primitiva, em um tempo de cruéis perseguições, aceitar o batismo e tornar-se cristão era uma decisão que podia acarretar graves e imediatas consequências. Até o início do século IV só era possível ser cristão clandestinamente. Quem assumia o batismo sabia que abraçava a real possibilidade do martírio, no entanto, a Igreja apresentava traços de profunda vivacidade e pelo martírio, manifestava seu amor irrestrito por Aquele que por primeiro havia ofertou a vida por amor aos homens.
Vemos nos Atos dos Apóstolos o relato do martírio de São Tiago, primeiro apóstolo a morrer pela fé em Jesus. Após sua morte, os discípulos se dispersaram e, justamente por isso, o evangelho se espalhou para lugares mais distantes. O número dos cristãos crescia. Mais e mais irmãos se juntavam àqueles que reconheciam Jesus como o Filho de Deus, morto pelo ódio dos homens, mas ressuscitado pelo poder de Deus Pai. Jesus era o sentido mais profundo da vida deste povo que assumia um novo estilo de vida regido pela caridade.
Governados pela lei do Amor, suscitavam a admiração de muitos e impressionavam os que os cercavam. O grande número de conversões causava a hostilidade por parte das autoridades que reagiam com duras represálias. Um dos mais antigos documentos que nos relata a vida dos primeiros cristãos é a carta de um autor desconhecido a Diogneto, datada do século II. Nela vemos com clareza o testemunho eloquente dos que assumiam o dom do batismo com radicalidade até as últimas consequências. Assim o autor se refere aos cristãos:
“Amam a todos e por todos são perseguidos. Não os conhecem e condenam-nos; dão-lhes a morte e eles recebem a vida. São mendigos e enriquecem a muitos; encontram-se privados de tudo e tudo têm em abundância. São desprezados e no desprezo encontram glória; difamam-nos e é reconhecida a sua inocência.
São injuriados e abençoam; são tratados de modo insolente e eles tratam com reverência.
Fazem o bem e são punidos como malfeitores; e, embora punidos, alegram-se quase como se lhes dessem a vida. ”
No século IV, o quadro mudou consideravelmente. Tendo recebido uma graça particular, o imperador Constantino concedeu paz aos cristãos. Cessada a perseguição, houve sensível afrouxamento na vivência do evangelho. Desta forma, muitos que desejavam viver a radicalidade do batismo fugiram para os desertos para viver outra espécie de martírio: o martírio incruento vivido na solidão, no silêncio, em profundo amor e austeridade. A história da vida consagrada na Igreja dava seus primeiros passos.
Ser batizado é um dom que compromete toda a nossa vida. Será que não deveríamos retomar a consciência dos primeiros cristãos? Se pensarmos bem, assumir radicalmente nosso batismo nos dias de hoje não é menos exigente que nos primeiros séculos. O que falta a nós, batizados, é a consciência de que este sacramento nos configura Àquele que amou até as últimas consequências, ofertando sua vida ao Pai em favor de seus amigos. A realidade da perseguição dos cristãos não ficou no passado. Ainda hoje muitos irmãos sacrificam-se até o derramamento do sangue por confessar o nome de Jesus. Que cada um de nós possa examinar si mesmo: temos consciência do nome que trazemos gravado indelevelmente em nossas almas? Que a graça do santo batismo nos impulsione a dar autêntico testemunho de Cristo. Afinal, esta graça faz de nós ‘outros Cristos’.